Este texto foi originalmente publicado no portal Hora Campinas em 21/10/2024.
– Por Carmino de Souza
Há um enorme desafio para a comunidade quando se trata de atender às necessidades dos sobreviventes do câncer. É certo que a busca da cura ou da longa sobrevivência são fundamentais. Mas é necessário entender que as fases de tratamento e reabilitação não são as únicas ou suficientes. Os sobreviventes de câncer têm demandas importantes para o seu futuro, ligadas ou não ao tratamento realizado.
Neste artigo, espero compartilhar algumas das coisas que aprendi por meio das minhas experiências profissional e pessoal. Apesar da enorme quantidade de pesquisas sobre o câncer que estão sendo conduzidas em todo o mundo, está claro que essa doença, ou melhor, esse conjunto de doenças permanecerá para sempre convivendo conosco.
Com o número cada vez maior de indivíduos diagnosticados, o campo emergente da sobrevivência ao câncer desempenha um papel importante em destacar e abordar as necessidades dos pacientes desde o momento do diagnóstico até depois do tratamento. Existem mais de 28 milhões de sobreviventes de câncer em todo o mundo, aproximadamente.
A sobrevivência ao câncer como um campo de especialidade lida com uma ampla gama de questões, incluindo, mas não se limitando, as questões físicas e psicológicas relacionadas ao câncer, estilo de vida após o tratamento, como a transição de retorno ao trabalho, bem como cuidados de acompanhamento e prevenção de malignidades secundárias.
No passado, não estava particularmente claro de quem era a responsabilidade de abordar questões, por exemplo, como a fadiga relacionada ao câncer após o tratamento. Se o paciente já tivesse recebido o tratamento adequado, era esperado que ele abordasse seu médico de família ou seu oncologista? Para tópicos mais sensíveis, como questões psicossexuais prevalentes em cânceres geniturinários, pacientes e médicos podem ter se sentido desconfortáveis em abordar o tópico.
No entanto, isso parece estar mudando. Por exemplo, os médicos de família querem e devem estar mais envolvidos, não só nos rastreamentos e nos diagnósticos precoces de câncer, mas também no gerenciamento de cuidados para pacientes que foram afetados por câncer.
Os hematologistas e oncologistas têm se envolvido na entrega de modelos de acompanhamento que incluem triagem para recorrência e promoção de estilos de vida saudáveis. Além disso, muitas organizações sem fins lucrativos, como a National Coalition for Cancer Survivorship, têm trabalhado incansavelmente para aumentar a conscientização sobre os problemas enfrentados pelos sobreviventes do câncer e defender cuidados de alta qualidade.
Oferecer cuidados de sobrevivência de qualidade é muitas vezes complicado pelo fato de que cada tipo de câncer tem seu próprio conjunto de singularidades que precisam ser abordadas. Por exemplo, o câncer testicular afeta, principalmente, homens jovens entre 15 e 35 anos. As altas taxas de cura dessa doença levaram a um grande aumento no número de sobreviventes de câncer testicular. Alguns problemas que esses sobreviventes enfrentam são a infertilidade e a disfunção sexual, que devem ser cuidadas para atingirem a vida plena.
Como hematologista, cuidamos dos pacientes com linfoma de Hodgkin, altamente curável. Isto é maravilhoso, mas permanece o grande desafio, obviamente além da busca da cura, de reduzir os agravos de curto e longo prazo, decorrentes dos tratamentos.
Eu poderia, aqui, citar uma quantidade enorme de tumores malignos potencialmente curáveis. Eu poderia ainda afirmar que, no momento da ciência que vivemos, a maioria dos pacientes com câncer podem ser curados. E este cenário, felizmente, vem melhorando constantemente com tratamentos mais “inteligentes” e personalizados.
Assim, gerenciar os cuidados de sobrevivência particularmente para essa população, principalmente para os mais jovens, seria fundamental. Além disso, fatores como status de emprego, disponibilidade e tipos de alimentos e fatores culturais e espirituais que diferem entre populações dentro de cada país, como o Brasil (país continental e multiétnico), e entre países, devem ser entendidos pelos profissionais e aplicados aos pacientes. Isso significa que os países terão que desenvolver estratégias de sobrevivência que abordem as necessidades de suas respectivas populações. Sem dúvida, indivíduos diagnosticados com câncer precisarão de muito mais do que a mais recente intervenção clínica ou cirúrgica para viverem vidas saudáveis e felizes no futuro.
A sobrevivência ao câncer deve abordar as necessidades dos sobreviventes de maneira ampla e cada vez mais engajada com a comunidade. À medida que a população de sobreviventes aumenta, felizmente de maneira constante, mais parcerias entre profissionais de saúde, grupos de pesquisa e organizações comunitárias são necessárias para levar a sobrevivência ao câncer adiante no enfrentamento dos desafios singulares enfrentados por aqueles que foram acometidos por algum tipo de câncer.
>>> Carmino Antônio de Souza é professor titular da Unicamp e pesquisador responsável pelo CEPID CancerThera. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo (1993-1994), da cidade de Campinas (2013 e 2020) e secretário-executivo da Secretaria Extraordinária de Ciência, Pesquisa e Desenvolvimento em Saúde do Governo do Estado de São Paulo (2022). Atualmente, é presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan, conselheiro e vice-presidente da FAPESP, além de diretor-científico da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH).