Este texto foi originalmente publicado no portal Hora Campinas em 04/11/2024.
– Por Carmino de Souza
Nas ciências biológicas e médicas, o grau de crédito público que um pesquisador recebe por uma publicação é, em geral, baseado em sua posição na lista de autores. Embora a importância da ordem dos autores varie entre disciplinas e culturas, tradicionalmente, há duas posições altamente valorizadas e muito cobiçadas: primeiro autor, creditado por conceituar e executar as partes centrais do estudo, e último autor, ocupando a posição mais sênior, de supervisão. Isso pode ser problemático, porque não fornece uma maneira consistente e justa de reconhecer as contribuições essenciais dos autores da lista intermediária.
Uma lista média de autores não pode comunicar, por exemplo, quem desenvolveu métodos críticos, coletou os dados, executou a análise ou escreveu o primeiro rascunho.
Em alguns casos, uma lista de autores também pode incluir autores honorários, seja como uma expressão de estima, em uma tentativa de alavancar um nome famoso, ou porque o autor honorário pediu para ser incluído em todas as publicações dentro de sua esfera.
A inadequação da lista de autores como um veículo para expressar a contribuição do autor também é evidente na ciência de equipe. À medida que a pesquisa se torna cada vez mais interdisciplinar e complexa, em muitos casos, não é mais possível para uma pessoa liderar e executar todos os aspectos de um estudo.
Na ciência de equipe, em vez de se organizarem hierarquicamente, os pesquisadores trabalham juntos, com dois ou mais parceiros iguais assumindo as responsabilidades de um pesquisador sênior dentro de suas áreas específicas de especialização, por exemplo, coleta e administração de dados, estatística e design, codificação ou desenvolvimento metodológico. Nossos sistemas para alocar e representar créditos acadêmicos não acompanharam o ritmo das maneiras como os pesquisadores trabalham hoje.
A importância e ainda a ambiguidade da lista de autores cria, no mínimo, percepções imprecisas e injustas sobre as contribuições e capacidades dos pesquisadores envolvidos. Como a alocação de crédito é tão central para como um cientista pesquisador é percebido e para o futuro de sua carreira, uma representação justa e precisa da contribuição de cada autor é vital.
Nas ciências, o crédito conta. Como um cientista pesquisador, seu histórico pessoal determina diretamente suas oportunidades futuras de uma forma medida, quase algorítmica. É um sistema elaborado, mas muitas vezes ineficaz, no qual a ordem do autor e o fator de impacto do periódico, o número de publicações e o volume total de dólares de subsídios obtidos, associações acadêmicas e membros do conselho editorial têm cada um significado codificado que pode variar de acordo com a disciplina.
Embora o histórico de publicações seja considerado o mais importante, cada um desses fatores contribui; uma reputação acadêmica na qual os pedidos de emprego, subsídios e estabilidade são todos baseados. Dentro desse sistema, reconhecer uma contribuição não é uma simples cortesia: pode ajudar a fazer uma carreira.
Os desafios inerentes aos nossos sistemas atuais para atribuição de crédito em comunicações acadêmicas se enquadram em três categorias principais: identificar contribuidores individuais, identificar suas contribuições específicas e reconhecer contribuições que não sejam autoria.
As ferramentas e práticas da Ciência Aberta oferecem soluções ponderadas e em evolução para cada um desses desafios de crédito e reconhecem pesquisadores por todas as suas produções acadêmicas. Os procedimentos padrões de catalogação e meta-tagging foram desenvolvidos para uma era diferente de publicação. Hoje, há muito mais autores científicos do que nunca, e eles publicam com frequência cada vez maior. Autores que compartilham o mesmo nome são comuns — um problema exacerbado pela tradição de publicar sob iniciais e sobrenome, em vez de nome completo.
No passado (e até hoje, fora das ciências), outras características de identificação como instituição, país ou disciplina podem ser usadas para distinguir autores que compartilham o mesmo nome. Mas muitos pesquisadores científicos atuais são uma população móvel. Afiliação institucional, detalhes de contato e país podem mudar várias vezes ao longo de uma carreira. O foco da pesquisa pode mudar ou evoluir ao longo do tempo.
Por essas razões, não é incomum que registros de publicações digitais de vários pesquisadores sejam confundidos, ou que seções de um histórico de publicação sejam tratadas separadamente após uma mudança de nome, mudança no foco da pesquisa ou mudança física.
Esses erros podem causar confusão para instituições e editoras. ORCID (Open Researcher and Contributor IDentifier- iD) é um identificador exclusivo usado para distinguir pesquisadores uns dos outros e para rastrear contribuições profissionais como autor e revisor — mesmo quando o nome, a instituição ou o país mudam. Seu ORCID é exclusivo para você, não importa como sua carreira evolua. E como é amplamente adotado por editores, sistemas de gerenciamento de revisão por pares, financiadores, instituições e serviços de indexação, rastrear e demonstrar suas contribuições é mais fácil.
O sistema pode enviar dados para parceiros para validar a identidade dos usuários e recuperar dados para criar um perfil pessoal para cada indivíduo. Ele também funciona como uma ferramenta de login único, permitindo que os pesquisadores façam login em todas as suas contas relacionadas à publicação com apenas um nome de usuário e senha.
Hoje, há mais de 7,3 milhões de registros ativos anualmente, com 5,4 milhões de usuários aproveitando as atualizações automáticas de perfil. Acreditamos que a ORCID é uma ferramenta valiosa para autores e revisores reivindicarem crédito por suas contribuições, bem como um recurso que pode economizar tempo para atualizar e manter um Curriculum Vitae (CV).
>>> Carmino Antônio de Souza é professor titular da Unicamp e pesquisador responsável pelo CEPID CancerThera. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo (1993-1994), da cidade de Campinas (2013 e 2020) e secretário-executivo da Secretaria Extraordinária de Ciência, Pesquisa e Desenvolvimento em Saúde do Governo do Estado de São Paulo (2022). Atualmente, é presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan, conselheiro e vice-presidente da FAPESP, além de diretor-científico da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH).