Segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), são estimados 72 mil novos casos por ano de câncer de próstata até 2025, sendo o terceiro tipo mais incidente no Brasil (10,2% dos casos). Uma das formas de enfrentamento a ele que vem despontando no campo científico atualmente é a PSMA-RLT (Prostate-Specific Membrane Antigen Radioligand Therapy) – a sigla em inglês se refere à terapia com isótopos radioativos ligados ao Antígeno de Membrana Específico da Próstata (PSMA). Essa molécula chamada PSMA se assemelha ao PSA (Antígeno Prostático Específico), que é medido no sangue de homens a partir de 40 anos e está presente em grande quantidade nos cânceres de próstata.
Em um recente estudo com revisão de literatura sobre o assunto, publicado na revista Clinical Nuclear Medicine (volume 49, número 1; janeiro de 2024), um grupo de pesquisadores – entre eles, duas integrantes do CEPID CancerThera – descreve os avanços dessa terapia e sua crescente aplicação.
No artigo, cujo título é PSMA radioligand therapy in prostate cancer – Where are we and where are we heading? (“Terapia com PSMA radiomarcado no câncer de próstata – Onde estamos e para onde estamos indo?”), os pesquisadores apontam que a terapia PSMA-RLT exerce um papel importante em pacientes com câncer de próstata e destacam que o corpo de evidências da revisão de literatura mostra que há muitas aplicações clínicas com grande potencial sendo estudadas nas linhas iniciais do tratamento.
Passo a passo da PSMA-RLT
A terapia com PSMA radiomarcado poderia ser explicada como um tipo de radioterapia muito localizada, focando as células nas quais o PSMA radioativo injetado no paciente se liga. Depois que essa molécula se liga à célula cancerígena, ela é enviada para o interior da célula maligna, ocasionando um processo de morte celular.
Usualmente, a indicação da terapia com PSMA radiomarcado é feita por urologistas, oncologistas ou uma equipe multiprofissional. A fim de confirmar o benefício para o paciente, é feito um exame de imagem para verificar a distribuição das lesões cancerígenas Se a partir dessas imagens for identificada indicação para o tratamento, é realizada uma consulta de orientação e verificação das condições clínicas e laboratoriais.
Após essas confirmações, é agendada uma data para o paciente ser internado para receber a terapia. A administração da medicação ocorre por via endovenosa seguida de uma internação breve (de um dia normalmente). Uma nova imagem antes de o paciente ir para casa é realizada para controle e acompanhamento. Daí em diante, o paciente permanece em acompanhamento com os médicos, e mais ciclos de terapia são programados (em geral, até se completarem seis). Por fim, alguns meses depois do último ciclo realizado, um novo exame de imagem é necessário para avaliar a resposta ao tratamento.
Achados relevantes do estudo
“Até alguns anos atrás, o uso de PSMA radiomarcado se limitava a um uso compassivo, ou seja, quando não há outros tratamentos possíveis para aquele paciente. Com os resultados de ensaios clínicos robustos (VISION e TheraP), essa terapia tem sido cada vez mais empregada em um contexto menos tardio e avançado da doença”, avalia a médica nuclear e pesquisadora associada ao CancerThera Ludmila Santiago Almeida, principal autora do artigo.
Além de Almeida, assinam a publicação os professores doutores Elba Cristina Sá de Camargo Etchebehere, também pesquisadora do CancerThera; profissionais da Espanha, como Roberto C. Delgado Bolton, Irene García Megías e Adriana K. Calapaquí Terán; bem como Boris Hadaschik e Ken Hermann, da Alemanha; Patrick M. Colletti, dos Estados Unidos; e Francesco Giammarile, da França.
Uma ressalva feita pela pesquisadora é que, atualmente, as terapias com PSMA radiomarcado estão indicadas na prática clínica a pacientes que são resistentes à castração hormonal (castração que pode ser feita por meio de medicação ou cirurgia). São chamados assim os pacientes que não respondem da maneira esperada à terapia hormonal, cujo objetivo é reduzir os níveis de hormônios masculinos no corpo, fazendo com que os tumores possam diminuir de tamanho ou crescer mais lentamente.
Além disso, seriam duas as modalidades das terapias investigadas e que foram incluídas nas diretrizes de pacientes resistentes à castração hormonal: 1) em substituição a uma segunda linha de quimioterapia com taxanos (medicamentos típicos de terapias contra cânceres, como o docetaxel) naqueles pacientes que já receberam quimioterapia com taxanos prévia; 2) em substituição à quimioterapia com taxanos em primeira linha naqueles pacientes que têm contraindicações em relação a receber esses medicamentos.
Sendo assim, “a terapia com PSMA radiomarcado ainda não é aconselhável como substituição da quimioterapia com taxanos em pacientes com condições clínicas de receber esse tipo de terapia. Embora já haja um ensaio clínico mostrando sua não inferioridade, o número de pacientes foi pequeno e, atualmente, ensaios maiores estão verificando essa possibilidade”, avalia Almeida.
O que esperar das pesquisas sobre PSMA-RLT daqui em diante?
Durante a revisão da literatura, alguns achados surpreenderam os autores do estudo. Entre eles, Almeida cita a grande quantidade de investigações sobre a abordagem teranóstica com o PSMA radiomarcado, os usos associados dessa terapia a diversificados tratamentos (quimioterapia, radioterapias, entre outras) para verificação de sinergia e toxicidade com outras modalidades e as pesquisas clínicas em fases mais precoces da doença (incluindo pacientes com doença sensível à medicação hormonal, que são aqueles que respondem adequadamente ao tratamento com a medicação que visa à redução dos níveis de hormônios masculinos).
Almeida aposta que a PSMA-RLT vai se desenvolver em contextos cada vez mais precoces da doença e em associação com outras terapias. “Creio que, por ser uma terapia com visão molecular, ação localizada, menos tóxica, com curta duração e possibilidade de se visualizar o que está sendo tratado por meio de imagem, quando comparada às outras (quimioterapia, hormonioterapia, radioterapia), é promissora sua aplicabilidade – seja isolada ou em associação com outros tratamentos –, podendo trazer benefícios clínicos sem elevar a toxicidade, mas melhorar a sobrevida global e livre de doença”, afirma a pesquisadora.
Ela explica, também, que outras abordagens teranósticas para o tratamento do câncer de próstata vêm sendo investigadas, só que com tipos de alvos distintos dos receptores de PSMA ou, ainda, melhorando as moléculas com base no PSMA para melhor efetividade. Assim como em outros cânceres nos quais tem tido uso crescente, a radioimunoterapia é uma aposta no enfrentamento ao câncer de próstata. “Além disso, a investigação de outros peptídeos ou pequenas moléculas com melhor biodistribuição e afinidade pelas células tumorais e ou microambiente tumoral são sempre uma área fértil de pesquisa teranóstica”, completa.
SAIBA MAIS
Para ler o artigo na íntegra e ter acesso aos achados do grupo de pesquisadores, clique neste link ou faça contato com Ludmila Santiago Almeida. O texto da publicação está estruturado de modo que diferentes leitores com distintos interesses possam ser atendidos: tanto o que deseja apenas um resumo de determinado tópico quanto aquele que quer se aprofundar em determinado subtema serão contemplados. Fora isso, a estrutura também traz os dados dispostos em tabelas que resumem em blocos os tipos de focos de investigação dos diferentes artigos revisados e os resultados deles.