Este texto foi originalmente publicado no portal Hora Campinas em 30/12/2024.
– Por Carmino de Souza
Minha carreira docente e de pesquisador foi em sua grande maioria ligada à pesquisa clínica. Vivenciamos nestas últimas décadas um avanço extraordinário nesse campo com incríveis benefícios à humanidade em praticamente todos os campos do conhecimento médico e, particularmente, no campo da Oncologia e da Onco-hematologia. Entretanto, sabemos que a pesquisa básica é e será sempre fundamental. É na pesquisa básica que tudo começa, onde os fundamentos técnicos e científicos se estabelecem.
Entretanto, pressa ou obsessão por prazos não combinam com a pesquisa básica, que deve ter o seu tempo e conviver com eventuais fracassos e mudanças de rota em seus projetos. Cientistas da pesquisa básica presos na esteira da busca por recursos podem encontrar conforto nos resultados de um relatório da National Science Foundation (NSF) dos Estados Unidos da América. Nesse relatório, 85% por cento dos americanos concordaram em uma pesquisa que avançar as “fronteiras do conhecimento” por meio da pesquisa científica é necessário e deve ser financiado pelo governo federal.
No caso do Brasil, esse financiamento deve ser feito pelos governos estaduais e federal, bem como pelas agências de fomento como a nossa Fapesp, o CNPq, a Capes etc. “mesmo que não traga, aparentemente, benefícios imediatos”. Pesquisas anteriores encontraram apoio semelhante para pesquisa básica também na maioria dos países europeus e asiáticos. Isto explica, em parte, o desenvolvimento que esses países têm obtido nas últimas décadas.
Quando se trata de quanto a população e a sociedade (os não cientistas) entendem sobre o processo científico, no entanto, os resultados não são tão tranquilizadores.
Resultados de estudos de cerca de 10 anos mostram que apenas 26% entendiam como um estudo científico é feito, de acordo com o relatório da NSF. Isso significa que apenas um em cada quatro entrevistados conseguiu explicar que os estudos exigem a formulação de teorias, o teste de hipóteses, o planejamento de experimentos e a análise e a interpretação de dados. Poucas comparações internacionais estavam disponíveis sobre o tema, observou o relatório, mas uma pesquisa antiga chinesa de 2010 descobriu que uma proporção ligeiramente maior de entrevistados entendia o processo científico em seu país.
Claramente, os cientistas têm muito o que explicar. E graças aos editores, não apenas científicos, têm podido publicar dados. A pandemia do SarsCov2 aproximou a sociedade dos cientistas, inclusive da área básica. Por exemplo, os editores da PLOS Pathogens introduziram uma série chamada Research Matters para dar aos cientistas que estudam vírus, bactérias, parasitas, príons e fungos a plataforma para explicar como funciona a pesquisa fundamental que eles fazem em seus laboratórios, que não apenas fornece insights importantes sobre biologia básica, mas também estabelece as bases para descobertas para proteger a saúde pública.
Reconhecendo o valor de criar uma plataforma para falar diretamente com o público, financiadores, formuladores de políticas e cientistas iniciantes de algumas revistas têm tentado promover o tema. Assim, tentam promover um ambiente de laboratório no qual todos os membros (técnicos, estudantes de pós-graduação, pós-doutorandos e pesquisadores principais) podem demonstrar seus modelos científicos. Como sugere a pesquisa da NSF, os americanos estão felizes em apoiar a pesquisa básica. Mas a próxima geração de cientistas não pode presumir que terá o mesmo apoio.
Cabe aos cientistas praticantes articular claramente ao público — não apenas aos formuladores de políticas, mas também aos contribuintes que os apoiam — por que e como a pesquisa básica pode beneficiar a todos nós.
Estou tendo a responsabilidade de conduzir um projeto de pesquisa de grande relevância e onde depositamos grandes expectativas de produzir ciência e poder levar as informações à nossa sociedade. O CEPID CancerThera, apoiado integramente pela FAPESP e com grupos de pesquisadores de várias universidades e institutos, incluindo muitos pesquisadores de ciência básica, está trabalhando diuturnamente para gerar conhecimento e novas moléculas para o tratamento de vários tipos de câncer. É um projeto de 11 anos com esforços de investigadores principais, investigadores associados, alunos de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós doutorado, com grande suporte de nossos colaboradores para que possamos evoluir o mais rápido possível.
A pesquisa básica no campo da Química, Física, Matemática, Farmacologia, Biologia, Medicina, dentre outros, tem me oferecido um desafio novo e enorme, mas, também, recompensas científicas extraordinárias. Em nosso CEPID há um eixo fundamental de difusão onde pretendemos levar para a sociedade, desde as escolas elementares até os mais importantes eventos científicos do mundo, nossas contribuições científicas.
Apoiar a pesquisa básica é fundamental ao país que, assim, poderá ter independência e domínio das novas tecnologias dentro das ciências da vida.
>>> Carmino Antônio de Souza é professor titular da Unicamp e pesquisador responsável pelo CEPID CancerThera. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo (1993-1994), da cidade de Campinas (2013 e 2020) e secretário-executivo da Secretaria Extraordinária de Ciência, Pesquisa e Desenvolvimento em Saúde do Governo do Estado de São Paulo (2022). Atualmente, é presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan, conselheiro e vice-presidente da FAPESP, além de diretor-científico da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH).