Nos últimos anos, cientistas vêm buscando novas alternativas para o tratamento de infecções bacterianas e cânceres, especialmente com a aplicação de compostos metálicos. O uso de medicamentos à base de metais, como a cisplatina, já mostrou eficácia no combate a vários tipos de tumores, mas seus efeitos colaterais (entre eles, danos aos rins e ao sistema nervoso) incentivam a procura por tratamentos mais seguros.
A prata, conhecida por estar presente na composição de cremes para queimaduras, também tem se destacado na pesquisa de medicamentos contra cânceres, representando avanços promissores na busca por tratamentos mais personalizados e menos tóxicos para pacientes oncológicos.
Pesquisadores de instituições nacionais e internacionais, incluindo representantes do CEPID CancerThera, participaram de um estudo, iniciado em 2022, no qual foram desenvolvidos novos compostos de prata com derivados de uracila – uma das bases nitrogenadas que compõem o RNA (ácido ribonucleico), uma molécula que tem papel fundamental na síntese de proteínas nas células do corpo.
Um artigo resultante do estudo, intitulado “Antibacterial profile and antiproliferative activities over human tumor cells of new silver(I) complexes containing two distinct trifluoromethyl uracil isomers” (em português, Perfil antibacteriano e atividades antiproliferativas sobre células tumorais humanas de novos complexos de prata(I) contendo dois isômeros distintos de trifluorometil uracila), foi publicado na revista científica Journal of Inorganic Biochemistry (volume 262, janeiro de 2025), disponível online desde 1º de outubro de 2024.
No artigo, o grupo de pesquisadores relata a síntese, bem como a caracterização espectroscópica e estrutural, juntamente com a triagem in vitro das atividades antibacterianas e antiproliferativas em células tumorais humanas dos dois complexos de prata(I) investigados: um com 5-(trifluormetil)uracila (Ag-5TFMU) e outro com 6-(trifluormetil)uracila (Ag-6TFMU). Os complexos de prata apresentaram atividade antibacteriana contra cepas de Pseudomonas aeruginosa, Escherichia coli, Staphylococcus aureus e Bacillus cereus e eficácia antiproliferativa em relação a células tumorais de rim, ovário, próstata e língua, induzindo-as à morte.
A Ms. Gabriele de Menezes Pereira, química e pesquisadora do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (IQ/Unicamp), destaca a eficácia antiproliferativa dos complexos Ag-5TFMU e Ag-6TFMU sobre as células de tumores de língua que foram investigadas como um dos mais relevantes resultados obtidos. “Esses resultados tornam os compostos promissores como potenciais agentes terapêuticos no futuro”, diz a pesquisadora, que, além de redatora do artigo publicado, desenvolveu várias etapas fundamentais da investigação durante seu doutoramento (em andamento), como a síntese, a caracterização e o ensaios biofísicos.
Os passos seguintes
A pesquisadora explica que as próximas etapas envolvem a realização de ensaios biológicos em diferentes concentrações dos compostos, visando à avaliação da viabilidade e da eficácia dos complexos de forma mais abrangente. “Como químicos, nossa responsabilidade é fornecer a pesquisa básica, incluindo a síntese e a caracterização, e agora o foco é avançar nos ensaios de ação biológica”, detalha Pereira.
A interação com biomoléculas também foi investigada, mas novos estudos ainda são necessários, pois “permitem determinar possíveis alvos celulares desses candidatos a fármacos, tais como DNA e proteínas, visando a desvendar a forma de ação deles”, explica o Dr. Pedro Paulo Corbi, professor do IQ/Unicamp, pesquisador principal no CEPID CancerThera e orientador de Pereira.
Esses novos estudos ajudarão a equipe a entender melhor como esses compostos poderão atuar no organismo in vivo. “Isso permitirá que avancemos na pesquisa, buscando validar os resultados e explorar o potencial terapêutico dos compostos para que, eventualmente, possam beneficiar a população”, diz a doutoranda.
Os pesquisadores do CEPID CancerThera envolvidos no estudo foram:
– Ana Lucia Tasca Gois Ruiz (Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unicamp);
– Carmen Silvia Passos Lima (Departamento de Anestesiologia, Oncologia e Radiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp);
– Daniele Daiane Affonso (Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp);
– Fernando Rodrigues Goulart Bergamini (Laboratório de Síntese de Moléculas Bioinspiradas do Instituto de Química da Universidade Federal de Uberlândia);
– João Ernesto de Carvalho (Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unicamp);
– Pedro Paulo Corbi (Instituto de Química da Unicamp).
Também compuseram a equipe de investigação:
– Alexandre Cuin (Instituto de Ciências Exatas, Departamento de Química, Universidade Federal de Juiz de Fora);
– Douglas Henrique Pereira (Curso de Química da Universidade Federal do Tocantins e Departamento de Química do Instituto Tecnológico de Aeronáutica);
– Gabriele de Menezes Pereira (Instituto de Química da Unicamp);
– Julia Helena Bormio Nunes (Instituto de Química Inorgânica da Universidade de Viena);
– Kaio Eduardo Buglio (Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unicamp);
– Norberto Masciocchi (Departamento de Ciência e Alta Tecnologia, Universidade de Insubria);
– Silmara Cristina Lazarini Frajácomo (Departamento de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade de Araraquara);
– Vinicius Souza Macedo (Curso de Química da Universidade Federal do Tocantins);
– Wilton Rogério. Lustri (Departamento de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade de Araraquara).