Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – Existe um certo otimismo pairando na área de oncologia. Nos últimos dez anos, houve uma evolução grande no conhecimento científico que, além de melhorar as terapias existentes e aumentar a sobrevida dos pacientes com câncer, trouxe também novas formas de tratamento. Embora muito ainda precise ser feito em relação a estratégias de prevenção e acesso a tratamentos, há uma expectativa de que, na próxima década, os avanços sejam ainda maiores.
“É claro que não se fala em cura do câncer, pois não se trata de uma doença única. As causas, o perfil de evolução e as possibilidades de tratamento são completamente diversos”, afirmou Celso Darío Ramos, da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), durante evento realizado em abril no âmbito do Ciclo ILP-FAPESP de Ciência e Inovação.
Ramos tem trabalhado com medicina nuclear, área envolvida tanto no tratamento quanto no diagnóstico do câncer – e dessa junção surgiu o termo “teranóstico”. “Por exemplo, um átomo radioativo pode ser introduzido em um peptídeo que se liga à membrana do tumor. Dependendo do átomo radioativo, ele pode tanto mapear o tumor [diagnóstico], como produzir energia para irradiar o tumor [terapia]. Portanto, em vez de utilizar um anticorpo inteiro, uma molécula enorme, usamos apenas peptídeos. Em relação à radioterapia há outra vantagem: a radiação é interna e não precisa ultrapassar a pele, os ossos e músculos para chegar ao tumor. É muito mais direta, não atinge tecidos vizinhos”, explicou o pesquisador.
O estudo da medicina teranóstica no tratamento do câncer será o foco de um dos novos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) recentemente aprovados pela FAPESP. Com sede na Unicamp, o Centro de Inovação Teranóstica em Câncer (CancerThera) é coordenado pelo professor Carmino Antonio de Souza. Ramos integra o grupo de pesquisadores principais (leia mais em: agencia.fapesp.br/41018/).
Outra abordagem que tem crescido nos últimos anos e ampliado a sobrevida aos pacientes é a imunoterapia. “Se tem algo que me deixa animado é o avanço que a próxima década pode trazer no que diz respeito à imunologia. O avanço abre oportunidades para usar as chamadas vacinas terapêuticas, que têm o efeito de modular o sistema imune, aumentando a taxa de resposta à imunoterapia”, afirmou Leandro Machado Colli, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP).
Como explica o cientista, a imunoterapia busca “treinar” o sistema imune para o enfrentamento do tumor. “Existem duas formas para isso. A primeira é o que chamamos de pontos de checagem [checkpoints]. O tumor consegue ludibriar o sistema imune ‘apertando o freio’ por meio de um grupo de peptídeos. E o tratamento de imunoterapia utiliza anticorpos para esse ponto de checagem. Dessa forma, o sistema imune não vê mais esse freio e é treinado a atacar o tumor”, disse.
A segunda forma de imunoterapia envolve terapias celulares, como é o caso das chamadas células CAR-T. Essa técnica vem sendo desenvolvida no Centro de Terapia Celular (CTC) – um CEPID sediado na USP de Ribeirão Preto (leia mais em: agencia.fapesp.br/31656/).
Colli explicou como funciona o tratamento: “Injeta-se um vetor no paciente, ou seja, identifica-se um peptídeo desse tumor que vai ser reconhecido. É como se criássemos uma arma biológica a partir da própria célula do paciente. Essa técnica é mais utilizada para tratar leucemia e linfomas, já para tumores sólidos utilizamos os pontos de checagem”.
Melhor que remediar
Em sua apresentação, Victor Wünsch Filho, diretor-presidente da Fundação Oncocentro de São Paulo, defendeu que as pesquisas na área de oncologia devem olhar para outros pilares de combate ao câncer, além do tratamento.
“O otimismo é muito estimulante para todos nós e as investigações têm se acelerado continuamente, mas estão muito centradas no tratamento. O câncer é uma doença complexa e devemos buscar controlá-la com abordagens de prevenção, paralelamente às estratégias curativas”, sublinhou.
De acordo com dados divulgados pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca), são esperados 704 mil casos novos de neoplasias no Brasil para cada ano no triênio 2023-2025, com destaque para as regiões Sul e Sudeste, que concentram cerca de 70% da incidência. No país, o tumor maligno predominante é o de pele não melanoma (31,3% do total de casos), seguido por mama (10,5%), próstata (10,2%), cólon e reto (6,5%), pulmão (4,6%) e estômago (3,1%).
“A prevenção é a palavra-chave para enfrentar a epidemia de câncer. Ela é de longo prazo e de baixo custo. Não tenho dúvida de que, se muitos países não ignorassem a importância da prevenção, eles teriam recursos suficientes para lidar com o custo crescente do diagnóstico e do tratamento do câncer”, disse Wünsch Filho.
Uma ação não exclui a outra. Mas, como ressaltou Wünsch Filho, políticas públicas para a conscientização da doença e seus fatores de risco são capazes de evitar que casos de câncer cheguem a surgir. “Fora isso, o tratamento precoce é muito mais barato e eficaz. Por isso, acredito que depois que essas estratégias de prevenção estiverem bem organizadas e funcionando, será preciso investir em pesquisa para o tratamento do câncer e também em tratamentos paliativos”, afirmou.
Um exemplo de medida efetiva de prevenção primária – aquela que impede a doença de se desenvolver – é o combate ao tabagismo. “Entre 1990 e 2019, a prevalência do tabagismo caiu 70% no Brasil. Foi o país que mais reduziu. Isso certamente terá impacto no futuro. Infelizmente, houve um aumento da obesidade. Então é de se supor que, enquanto ganharemos de um lado [com a redução do tabagismo], teremos um aumento do número de casos associados à obesidade”, avaliou.
É sabido que o tabagismo, o consumo de bebidas alcoólicas e a obesidade são, nessa ordem, os principais fatores de risco associados ao câncer. E que a obesidade está correlacionada a uma alimentação inadequada e ao sedentarismo. “São sobre esses fatores que devemos atuar para que o câncer não ocorra. Já a chamada prevenção secundária consiste em fazer o diagnóstico precoce em indivíduos com sintomas e, portanto, é uma ação que depende muito do sistema de saúde do país. No Brasil temos problema nessa área: a proporção de diagnóstico de estágios avançados é muito mais alta do que em países de renda alta. Já a prevenção terciária consiste em fazer o rastreamento, identificando o câncer em indivíduos sem sintomas”, explicou.
Dessa forma, entre as estratégias para a redução de custos estão a prevenção e o desenvolvimento de tecnologias nacionais capazes de tornar mais baratos e acessíveis os tratamentos de alto custo.
“Todos os avanços nos últimos anos têm trazido uma grande preocupação que é o custo. Chamamos esse problema de toxicidade financeira. Por isso, é importante desenvolver tecnologia nacional para essas terapias, de modo que, dominando a cadeia de produção, se consiga reduzir os custos. No caso das células CAR-T, por exemplo, foi possível reduzir o valor da terapia em dois terços [em comparação ao tratamento comercial já disponível]”, contou Colli.
Outra questão importante dessas novas terapias está atrelada à seleção de pacientes. Além de nem todos terem acesso devido ao custo, elas são indicadas para apenas algumas parcelas de pacientes, ou tipos de câncer.
“Apenas 12% desses pacientes respondem bem à imunoterapia. Portanto, não faz sentido tratar todos do mesmo modo. Isso porque, se pegarmos todos os pacientes com câncer no Brasil, são mais de 130 doenças, sem entrar na parte molecular, que daria uma divisão ainda maior”, informou Colli.
Ramos ressaltou ainda a importância do investimento em pesquisas. “Também visamos a autossuficiência. A maior parte dos radioisótopos usados em medicina nuclear precisa ser importada. Existe, já há muitos anos, um projeto de construir um reator multipropósito brasileiro, o que tornaria o Brasil autossuficiente em diversos radiofármacos”, ressaltou.
A íntegra do evento pode ser conferida em: